19 abril 2016

Valor-es


P

ior do que a perua de fato é a perua emergente. Já é difícil eu conversar sobre marcas e outras tantas futilidades que imperam no mundo delas, mas em se tratando daquelas que entraram nesse mundinho na última chamada, a coisa fica ainda mais sacrificante. As peruas emergentes, em sua maioria, alcançaram esse posto ao se casar com um cara bem de vida. Não querendo rotular, mas já. Não trabalham, seja por opção ou não. E já dizia a minha mãe: as pessoas que não trabalham não sabem o valor das coisas importantes da vida.

A rotina exaustiva que as acompanha é preenchida por compras, salão de beleza, chá das cinco e, por fim, um yoga para relaxar. É, bastante exaustiva mesmo, sem qualquer tom irônico! Fico cansada só de me imaginar passando mais que uma hora no salão. Mas, o que de mais marcante as acompanha cotidianamente é a terrível lembrança de um passado não rico. E, exatamente por isso, elas apresentam uma aversão bem característica a qualquer coisa que recorde de longe o passado que não pode de modo algum ser revelado.

Elas não suportam a ideia de estarem com pessoas de menor renda, muito menos de serem confundidas com uma delas. Agora elas são ricas e que fique bem claro isso. Julgam pobre a maioria dos hábitos que aprenderam quando criança, muitas vezes ensinado pelos seus próprios pais. Não gostam de centro das cidades cheio de lojas populares e pessoas diversas, nem que seja apenas pra comprar um prendedor de cabelo. Elas não gostam de se misturar. A palavra “promoção” deixou de existir no seu estreito vocabulário. Elas têm prazer em não apenas pagar mais caro, mas espalhar isso pra todos.

E, como transmitimos aos outros apenas aquilo que nós temos, a herança deixada por elas a respeito da definição de valor é um tanto distorcida. Quais as chances que seus bebês, vestidos como mini-adultos, têm de não enxergar a vida futuramente por esse ângulo fechado? É um ciclo vicioso, no qual a gente vibra ansiosamente por uma criança rebelde que resista a ele. Ostentar riqueza parece que virou moda. Uma pena! Bom mesmo seria se se mantivesse em moda permanente a riqueza da alma e os valores da vida, frequentemente repetidos na minha infância, como se só se pudesse tornar adulto depois de isso estar bem claro. Que sorte a minha!


04 abril 2016

Os (nós) do acaso que ficam.







H
á pessoas que apenas passam por nós na vida. Passam sem que deixem qualquer rastro, seja ele bom ou ruim. Elas não te fazem mal, também não te fazem bem. São pessoas outono, mornas com folhas secas. Às vezes, nem é uma passada rápida assim. É uma estação inteira de tão longa que é a parada. Mas, nada especial ligavam os trilhos de suas vidas. E quando o trem delas parte... quase não se nota a saída, quase não se ouve o barulho do apito, quase não se sente a mudança do tempo.

Há outras pessoas que a gente gosta. Gosta e não sabe explicar o porquê. Elas são primavera, são verão. Germinam, iluminam. Elas te fazem bem, até quando não estão tão perto assim, apenas por se saber que elas existem ali. Elas também são inverno. Às vezes, elas te fazem mal... às vezes. As pessoas nem sempre acertam e isso não diminui o valor que elas têm. Elas nos mostram algumas coisas importantes da vida, mesmo que não tenham a menor ideia disso. Ocupam um lugar paralelo, uma cadeira reservada. Elas compartilham gostos, sons, cheiros. E quando se pensa nelas, logo aparece um sorriso estampado no rosto.

Mas, às vezes, elas não podem ficar por perto todo o tempo. Elas também precisam ir – quem sabe, ser a estação de outras pessoas.  E a gente, num momento egoísta, não entende bem o porquê de elas precisarem ir. Pra que ser o outono de outro? Não poderiam trazer novos gostos, sons, cheiros aqui? E quando o trem delas parte... vê-se a vida em câmera lenta. Sente as batidas do coração apertado. Escuta palavras de despedida, doces e duras, ao mesmo tempo. Mudaram as estações e o tempo se encarrega de desatar os nós curtos.

Uma amiga – que ainda não precisou ir, felizmente - falava frequentemente como o tempo só nos faz lembrar as coisas boas. Parece ser verdade. Devem ser os nós longos os das coisas boas, os que não se desatam fácil. E isso não importa o tempo que tenham durado. Pode ter sido por três estações inteiras ou pode ter sido só num belo fim de tarde. Não importa. Elas - essas pessoas - permanecem em nós por toda a vida. E sempre irá lembrar-se delas com os felizes acasos: ao escutar uma música, quando ler um trecho de um livro comum, ao assistir a uma cena de um filme qualquer. Vai lembrar até quando, às vezes, esforçar-se fortemente para não lembrar... Não, não é por mal, é que desatar nós deixa a corda marcada, um pouco dolorida.

Não sou muito boa em me despedir das pessoas com as quais eu me importo – já disse isso aqui. Mas, gosto de pensar que quando isso precisa me acontecer, eu tenho coragem de deixá-las ir (elas precisam disso), de permitir que os nós curtos se desatem. E também tenho coragem de atar bem os nós longos, os bons (eu preciso disso). Outras estações virão e enlaçar fortemente os nós longos  ajuda a manter o doce sorriso nos lábios que os felizes acasos trazem junto às lembranças delas - aquelas pessoas que nos importam na vida. As outras, realmente tanto faz.


De outubro/2015.