23 agosto 2011

Íntimos e Desconhecidos.




Brincar com as palavras é fantástico. Não é incrível poder atribuir significados bem diferentes quando apenas trocamos a ordem delas? Lembro - com certo ar de repúdio, confesso – que já me chamaram de Falsa Magra. Quanta ousadia! E, sem maiores discussões e detalhes, devo concordar que pior seria se tivesse ouvido uma Magra Falsa.

Tal como, um Desconhecido Íntimo é bem diferente de um Íntimo Desconhecido. Sabe aquela pessoa que você sempre encontra na fila do supermercado, do banco, do shopping? Cruza no estacionamento, na balada, no restaurante preferido (seu e dela, provavelmente). Você sabe que ela adora filmes e estuda Artes. Pode até arriscar alguns dos seus músicos preferidos e outros gostos, mas nunca falou com ela. Nem uma conversa de olhares, nem um papo jogado fora. Nada. Pois bem, ela é a sua legítima Desconhecida Íntima. Muito embora não a conheça, você sabe inúmeras informações cotidianas sobre ela e sente-se bastante próximo.

Estranha-me a ideia – além de ter que escrever a palavra ideia sem acento, claro! – de que alguém, de algum lugar, de alguma geração, leia-me. A princípio, já não seria de se estranhar bastante tantos pronomes indefinidos assim? Alguém, algum, alguma. Sim, as indefinições e os sujeitos indeterminados sempre me soaram enigmáticos demais.

Assim me são os leitores anônimos: Íntimos Desconhecidos (em ordem inversa, agora). Aqueles que leem – essa nova norma gramatical! – todos os textos, linhas e até as entrelinhas. Aqueles que eu posso até conhecer bem, mas não chego a imaginar que são tão íntimos das minhas letras. Ou os de vista e até os que eu nem conheço... e nem me dão a chance de conhecer. Sim, vocês, que sempre dão atenção às minhas palavras, por mais in-sensatas que sejam, mas não me deixam nenhum rastro dos seus pensamentos, frases e gostos.

Não dava pra ser famosa, é fato. Estranho a ideia de que um desconhecido seja tão íntimo assim dos meus pensamentos. Sou um blefe. Daqueles mais sem-vergonha. Como a aposta alta de fichas em uma dupla de dois contra um Royal Straight Flush. Um coelho nascido e criado dentro da cartola. Uma pá furada.

Uma Desconhecida Íntima, uma íntima ou apenas conhecida de vocês na tentativa ínfima de trocar figurinhas, bater pensamentos pra lá e pra cá, jogar peteca de palavras. De incomodar, quem sabe até, irritar. Diria sensibilizar, se não soasse dramático demais. Tudo em troca de uma réplica, de uma palavrinha sequer arrancada pelo vento, que dê corda à dança das minhas bobagens, que tire as minhas frases de um monólogo sem fim.

Nem que seja como um sujeito oculto. Totalmente implícito, leitor, em um codinome beija-flor.

15 agosto 2011

As gangorras.



Penso na minha infância mais do que de costume. Adorava parquinhos. Aqueles que tinham casinha na árvore, roda-roda, escorregador. Estava pra nascer alguém que chegasse mais alto do que eu no balanço. A gangorra, embora não fosse o meu preferido, era um local bem divertido para se fazer amizade com quem sentava na outra ponta. É impressionante a facilidade com que as crianças têm de se relacionar. Mas, apenas compreendi o importante papel das gangorras nos relacionamentos quando não mais brincava em parques.

Certo dia, meu pai – o biológico, querido leitor – me disse que os relacionamentos funcionam como as gangorras. Que engraçado! Na época, eu era bem experiente com as gangorras, mas quase nada com os relacionamentos. Sabia bem que não dava para brincar na gangorra sozinha... E foi assim que ele começou: Relacionar-se exige, além de você, mais uma pessoa, cada uma sentada em uma ponta.

Estar na ponta mais alta é encantador. As pernas, balançando sem alcançar o chão, dão a sensação de liberdade, de leveza. O vento parece chegar mais fácil no seu rosto. Os problemas parecem não te alcançar. É bastante cômodo. Afinal, o esforço não está do seu lado. A você, cabe apenas aproveitar o momento. Relaxar. Apreciar. Desse lado, você enxerga tudo de cima. A paisagem, a vida, as pessoas. Inclusive a pessoa que está na outra ponta. Aquela com quem você está se relacionando, lembra-se? E para o seu ego chegar tão alto quanto a distância dos seus pés ao chão não é muito difícil, não falta muito. É apenas uma questão de um pouco mais de tempo nessa posição.

Estar do outro lado e colocar o outro lá em cima não é fácil. É preciso ser uma pessoa de peso, de força. É assumir toda a carga. É abrir mão do seu próprio querer em estar lá na parte mais alta em benefício do outro. É conceder, doar, valorizar. E você fica ali, embaixo, vendo tudo acima de você, inclusive a pessoa com quem está se relacionando. Vê-la tranquila e feliz, naquele momento, é recompensador. Vê-la egoísta e arrogante é decepcionante.

Os relacionamentos baseados na sobrecarga de um sempre em favor do outro tendem à queda. É como duas pessoas com pesos bem diferentes brincando na gangorra. O magrinho fica lá em cima sempre. No início, é divertido, mas não conseguir descer torna a brincadeira chata. Já o gordinho só de sentar, desce e não consegue subir. É outra tortura. Se o que está lá em cima começa a ser prepotente e a esnobar quem está lá embaixo, este sai da gangorra bem rápido, só para aquele, em vez de descer tranquilamente, cair de vez no chão.

Isso porque a graça da gangorra é oscilar a altura. Subir e descer. E, logo em seguida, descer e subir. E qualquer alteração na ordem das palavras altera o produto. Não faz bem para nenhuma das partes quando um faz tudo pelo o outro sempre. A chance de ele achar que está literalmente por cima de tudo e todos é muito grande. Assim como também é grande a chance de você se sentir menos importante. É preciso que o outro se doe também. E veja bem, não se engane achando que, então, o ideal é o equilíbrio entre os dois, entre as pontas. Já se viu brincar de gangorra sem subir ou descer? O equilíbrio é um relacionamento fadado ao comodismo, sem interesses mútuos. É quando um não demonstra querer bem ao outro a ponto de fazê-lo subir, enquanto você mesmo desce, e vice-versa.

As oscilações entre as pontas são divertidas e necessárias. Permanecer estático por muito tempo, independente da posição, é o real problema do jogo, das gangorras e dos relacionamentos.

09 agosto 2011

Despedidas.




Ainda pequenininha, uma frase, especificamente, intrigava-me bastante. Não muito raro, a autora da frase era a minha mãe - já devo agradecê-la pelos memoráveis exemplos cotidianos. Eu estava lá, em prantos, toda vermelhinha. Chorar sempre me deixou com o rosto bem corado por horas, mesmo depois de ter parado há um bom tempo. Quando, então, ouvia:

- Pronto! Já acabou. Agora engole o choro!

E ela falava num tom estranhamente forte e frágil. Forte para educar, frágil por duvidar. Parecia que queria me convencer de algo que nem ela mesma acreditava que era possível de se fazer.

- Engolir o choro? Como vou engolir o choro? – eu replicava entre soluços, tentando deglutir as lágrimas que descontroladamente insistiam em descer.

Para minha mãe, engolir era parar. Para mim, engolir era engolir e pronto. O meu questionamento sempre fazia a minha mãe sorrir, não sabia me explicar como se engolia o choro. Eu, por minha vez, ficava contente por tê-la deixado rindo sem respostas. Planejadamente ou não, o fato era que, consequentemente, ela me fazia parar de chorar, rindo.

Pra falar a verdade, eu sempre fui chorona. Mas, apenas experimentei a verdade daquela frase quando me deparei com as despedidas. Há sensação real mais perturbadora que a de uma despedida? Despedidas são, por si só, nostálgicas. Pensa-se em tudo que está ficando, que não foi na bagagem, que não entra na sala de embarque. Em tudo que vai deixar o gosto, deixar as fotos, deixar a memória. E pra desmoronar tudo mesmo, há sempre alguém que na hora relembra a Canção da América.

Foi ai que eu descobri que frases feitas não são apenas frases conotativamente feitas, força de expressão. Em despedidas, eu, literalmente, engulo o choro acompanhado do nó da garganta que dá quando se está partindo. Os sons não se articulam em palavras. O ar não passa junto ao engolir. E o que é deglutido parece estacionar no meio do caminho. Congestiona, comprime, estreita tudo em volta. E é exatamente ai que eu sinto denotativamente a força do aperto no peito que dá a saudade.

Então, já sabe, não se despeça de mim.

Eu não sei engolir tudo. Fica o gosto, ficam as fotos, o silêncio, a memória.

Sou uma boba. Choro em despedidas.