29 abril 2010


INSTANTES

“Se eu pudesse novamente viver a minha vida,
na próxima trataria de cometer mais erros.
Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais,
seria mais tolo do que tenho sido.


Na verdade, bem poucas coisas levaria a sério.
Seria menos higiênico. Correria mais riscos,
viajaria mais, contemplaria mais entardeceres,
subiria mais montanhas, nadaria mais rios.

Iria a mais lugares onde nunca fui, tomaria mais
sorvetes e menos lentilha, teria mais problemas
reais e menos problemas imaginários.


Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata
e profundamente cada minuto de sua vida;
claro que tive momentos de alegria.
Mas se eu pudesse voltar a viver
trataria somente de ter bons momentos.

Porque se não sabem, disso é feita a vida,
só de momentos; não percam o agora.
Eu era um daqueles que nunca ia a parte alguma
sem um termômetro, uma bolsa de água quente,
um guarda-chuva e um pára-quedas e,
se voltasse a viver, viajaria mais leve.

Se eu pudesse voltar a viver,
começaria a andar descalço no começo da primavera
e continuaria assim até o fim do outono.
Daria mais voltas na minha rua,
contemplaria mais amanheceres
e brincaria com mais crianças,
se tivesse outra vez uma vida pela frente.


Mas, já viram, tenho 85 anos e estou morrendo.”

Jorge Luís Borges

14 abril 2010

Vá aonde seu coração mandar.


      Vá aonde seu coração mandar. Um nome bem sugestivo, ainda mais agora, pensava ela. Antes de colocá-lo no seu criado-mudo e fazer dele a distração de algumas noites seguintes, a menina se pôs a pensar na fiabilidade das decisões tomadas pelo coração.     
      Sim, incomodava-lhe a idéia de que, concluída a leitura ou até mesmo antes, fosse irremediavelmente convencida disso. Não que ela seja (ou deseje ser) de toda racional. Não, isso não passava nem perto daquela misteriosa menina. Quer dizer, só às vezes como um pensamento rápido em reposta a um momento prévio totalmente emotivo. Mas, o binômio razão-emoção nunca a confrontara tanto como ultimamente e a possibilidade de decidir por uma, seja ela qual fosse, a deixava ainda mais inquieta.
     Não apenas pelo Pequeno Príncipe (começo melhor não poderia ter! – afirmava ela toda entusiasmada), mas logo lá estava ela aprovando as preferências da Olga: “Tinha lábios finos como você bem sabe, nunca gostei de pessoas de lábios finos.” Gostava da narrativa e algumas frases lhe soavam muito bem... os guarda-chuvas, os fogos, o acaso, a liberdade.
     A certo ponto da leitura, quando mais da metade das páginas já tinham sido viradas, ela percebia que talvez não fosse apenas uma questão de aprovação. Mais que isso! Era como se uma parte dela (a mais curiosa e desatinada!) se encontrasse ali, em meio a algumas palavras...

“Ao longo do percurso, deparamos com as outras vidas: conhecê-las ou não, vivê-las profundamente ou deixá-las de lado, só depende da nossa escolha do momento.”
“... sabia abordar os mais intrincados assuntos com a mais absoluta simplicidade. (...) As coisas eram ao mesmo tempo estranhamente leves e intensas.”
“A novidade, num primeiro momento, é sempre assustadora; para conseguir sair do impasse, é preciso superar tal sensação de medo.”

     E não foi ela mesma quem já disse: “Se o novo me fascina, eis que me satisfaço”?! A essa altura, ela já sabia que havia um espelho, meio fosco, bem na sua frente e julgava que tudo isso teria sido feito, intencionalmente, por quem lhe entregara, naquele início de noite, uma embalagem prateada.
     “O bom senso era completamente contrário a tal decisão, e ainda assim tal decisão era mais forte que qualquer bom senso.” É, a menina já não tinha mais dúvidas. Chegou a fechar o livro, decidida a não mais ler... Mas, como podia? Havia esquecido que era a sua parte mais curiosa que estava envolvida?
     Chegou à última página e o final, deixando espaço para se cogitar os seus possíveis finais, agradou-lhe como já era de se esperar. Foi inevitável não se perguntar: Deixar-se levar ou não para onde o coração mandar? Sabe... ela achava tão pequeno que a razão viesse se apropriar definitivamente da emoção, ou vice-versa.
     - Por que não oras emotivo, oras racional? – dizia num tom ousado.
     Mas realmente não havia um misto de sensações contraditórias maior do que ela e, quer saber, ela não abria mão disso! Não era de se limitar. E quando a criticavam: “Quem confia no próprio coração é um insensato”... Logo a resposta lhe vinha na ponta da língua:
     - Então, que a vida me proporcione pequenas doses de insensatez! “Se não me houvesse deixado levar, acabaria envelhecendo e morrendo sem saber o que uma mulher pode experimentar.”
     É... ela era assim, insensata, a menina.